EXTREMOS DA INFÂNCIA




 Como crianças são surpreendentes.
 Costumo dizer como médica que todo ser humano é uma caixinha de surpresa.O que dizer então das crianças?Em dado momento chegam para uma consulta pediátrica com o relato da mãe de que estava prostrado,com febre,vomitando ou com outros sintomas todavia observamos uma criança correndo pelo consultório,pulando e derrubando tudo.Tudo para fazer o médico desacreditar na mãe.
 Agora vou contar uma experiência de mãe...e de mãe pediatra.
 Domingo, nove de dezembro de 2012.Dia da esperada apresentação da Rafaela na escola para a qual ensaiara por dois meses.Meninos vestidos de Cebolinha,meninas de Mônica.Roupa pronta no armário,coelho Sansão de pelúcia pronto para ser rodopiado durante a dança.Nada previsto para dar errado,até que na madrugada de sábado para domingo umas duas da manhã ela acordou chorando.Esperado,para quem havia pulado quase o dia todo em uma cama elástica em uma festa.Mas não era só isso...às sete horas da manhã começou a vomitar e não parava!Mediquei,sem sucesso.Vômitos que chamamos de incoercíveis,ou seja,não param!!!
 Solução: levar para o hospital.Optei por um dos lugares onde trabalho pois confio na equipe e eu mesma poderia fazer a prescrição conforme minha conduta própria.Levei-a para o hospital umas dez da manhã e precisou de dois anti eméticos(remédio para parar de vomitar) diferentes além de três ciclos de soro para melhorar,pois de tanto vomitar,ficou MUITO desidratada.Tão desidratada  que ao puncionarem sua veia,não reagiu.Levamos para o quarto onde permaneceria "largada".Após receber soro e  medicamentos, dormiu profundamente.Meu marido acompanhando tudo,perguntou-me por várias vezes o que faríamos.Que dilema...levar ou não à apresentação da escola onde deveria estar às 15h30?
 Quem olhasse para a pequena paciente,poderia dar a resposta na hora:era óbvio que não.Caída,prostrada,sonolenta,amarela...só um irresponsável colocaria uma fantasia na criança e a mandaria ao palco.
 Conhecendo crianças doentes há dezesseis anos,minha resposta foi:"Vamos aguardar,não dá para responder agora pois criança é surpreendente.Às vezes chega como que morrendo,fazemos um soro de hidratação e eles vão embora correndo e sorrindo como se nada tivesse acontecido!"
Dito e feito.Revezamos para almoçar e em torno de duas da tarde já havia hidratado o suficiente e os vômitos realmente cessaram.Decidi solicitar que se retirasse o soro.
  Seria mais cruel levar uma criança neste estado para subir ao palco ou fazê-la perder a apresentação da qual ela não parava de falar nos últimos dois meses.Opiniões por telefone,família dividida:leva,não leva...Cadê o pediatra para dar alta e recomendar se ela deveria ir ou não???Eu!!!
 Carga pesada a de mãe e pediatra nesta hora.Ninguém poderia decidir por mim.Pedi opinião de uma médica bem mais jovem se ela ficaria mais triste se sua mãe a levasse naquele estado ou se a deixasse perder a dança.Sua resposta:"Se eu perdesse a dança,claro!"-Obrigada Dra. Luisa!!!
  A paciente acordou.Pálida e fraca.Decidi perguntar sobre ir à dança e ela abriu um super sorriso:"Eu quero dançar,mamãe!"
  Ai ai ai,agora tem que ir...pensei:Vou levá-la para casa,dar um banho e vesti-la com a fantasia de Mônica.Ao chegar na escola,vou respeitá-la se ela não quiser dançar pois vai estar bem indisposta.Pelo menos vai até lá,vê os amigos,etc.
 Dei alta.É nesta hora que entra a dificuldade de limitar onde termina a médica e começa a mãe ou vice versa.E se passar mal na dança?Que médica é esta que deu alta?
 Bem...vamos então para casa. Toma banho,veste a fantasia e rumo  à escola.Ela,arrumadinha...um "blush"nas bochechas para disfarçar a palidez intensa.Eu,um caco.Cabelo preso por não dar tempo de pentear direito,coloquei o vestido mais fácil que achei no armário.Produção quase zero.
Até então prevalecendo o lado médica,tentando ser tomado pelo lado materno,porém com a ciência ainda prevalecendo.
A caminho da escola,ela se animou.Eu,confiante ao seu lado.Ansiosa,entrei na escola e fui procurar sua turminha para entregá-la à professora com as recomendações e a explicação do que acontecera.Ela,orgulhosíssima de um "botãozinho de micropore" no dorso da mão,mostrando para todos os amigos.Entregue!!!
Ao entregá-la à professora,desmoronei.Acabou a médica e apareceu a mãe.Entrei numa crise de choro incoercível pois até então havia sido forte,dura...não poderia demonstrar qualquer sinal de fraqueza para a minha filha.Mas nesse momento não havia mais porque segurar.
Dirigi-me ao auditório onde seria a apresentação em pranto.As coordenadoras foram muito solícitas ao me deixarem ficar na primeira fileira em um local "VIP" para em caso de ela passar mal eu estar perto.Iniciada a apresentação,não conseguia parar de chorar.Peguei a máquina para tirar fotos e percebi ter esquecido o cartão de memória em casa inserido no computador.Memória interna da máquina me permitiu tirar nada de fotos,o estresse então naquele momento aflorou.Chorei a apresentação inteira,vi quase nada.Chamou-me atenção o momento em que ela errou a coreografia e demonstrou estar um pouco tonta.Ficou olhando para o coelho Sansão e ao invés de pegá-lo ficou meio confusa e fazendo "beicinho",também pudera...estava num leito de hospital "chumbada"por anti eméticos uma hora antes!!!Fiquei apavorada achando que ela iria desmaiar,mas quem quase desmaiou fui eu.Parecia uma mãe louca.Os professores próximos a mim começaram acalmar-me,buscaram lenço de papel e água.Ela de repente saiu pulando e continuou a coreografia.Dançou até o final.Pulou como se nada tivesse acontecido.Incrível.Eu,um caco;ela pulando!!!
  Terminou a dança,abracei-a como nunca.Tirou fotos com os amigos.Ficou feliz com a presença dos avós Cida e João e do tio Gerson.Tudo ocorreu da melhor forma.Foi bom tê-la levado.
Ao entrar no carro,dei parabéns pela dança e perguntei se estava tudo bem.A resposta:"Mamãe...meu corpo está tão cansado!Você pode fazer dois ovos cozidos assim redondos para mim quando chegar em casa?"(ovos redondos...onde eu arrumaria isso?-risos)
  Neste momento relaxei e ri.Dever cumprido:tanto de médica,como de mãe.Além disso,mais história para contar.Poderia ter assistido a dança sem chorar,mas não deu.Mãe tem umas coisas inexplicáveis.Mãe e médica, pior ainda.Por isso às vezes é bom terceirizar,contar com um colega,etc.Mas neste dia não tinha outra pessoa.Era eu mesma! E no fim deu tudo certo.
Agradeço a Deus pois depois disso ela ficou bem.Voltou para casa,comeu bem brincou e assistiu à sua apresentação que o papai filmou.Detalhe:só neste momento eu assisti de verdade.
Fica o meu agradecimento ao apoio do meu marido:um superpai; à equipe de enfermagem que  atendeu tão prontamente e carinhosamente a Rafaela;às colegas presentes no hospital nesta data que cederam seu espaço e deram suas opiniões eticamente sem interferir em minha conduta;à equipe da escola coordenação,professores e todos outros que foram ótimos e deram um super apoio;à nossa família sempre torcendo nestas horas;aos que compareceram à apresentação compartilhando deste momento singular;aos amigos que prontamente se colocaram em oração quando avisamos que estávamos no hospital;às mães e pais de amiguinhos da escola que tiraram fotos e as cederam,enviaram via facebook ,além e terem me abraçado e dado palavras amigas e desculpe se esqueci de agradecer alguém.Agradeço a você,que lê meu desabafo de mãe.Que me entende ou não.Obrigada por me ler.
  Fica aí,mais uma para recordar e contar.







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