VIOLÊNCIA NA INFÂNCIA



    Nas últimas duas semanas vivenciei uma experiência bem ruim como médica,acompanhando o caso de uma criancinha de cinco anos que esteve internada por duas semanas em nosso serviço por ter sofrido violência sexual.
   O motivo de eu estar compartilhando este caso em meu blog é porque precisamos estar extremamente atentos com o que estão fazendo com as crianças por aí e como às vezes a história é ocultada ou distorcida.
  A menor deu entrada em nosso serviço há duas semanas levada pela mãe com a queixa de que havia pulado a janela e na queda ter machucado o pé e a região genital.
  Ocorreu porém,que seu ferimento em região genital não era compatível com a forma como era relatada a sua queda da janela,o que fez com que a equipe que a atendeu no Pronto Socorro suspeitasse de que algo estava estranho,encaminhando a mesma para uma avaliação ginecológica.
  Ao longo dos dias,a própria criança optou por confessar que havia sofrido abuso sexual,enquanto sua mãe trabalhava e ela ficava com uma pessoa que era paga para cuidar da menina.
  Sucederam-se dias bem difíceis para mim.Fizemos toda a parte necessária como profissionais como uso de medicamentos de prevenção de doenças transmissíveis além de toda parte que coube ao serviço social e ao conselho tutelar.
  Foi inevitável porém criar um vínculo com esta criança.Carinhosa,cativante,dona de um sorriso puro e belo.Seu olhar pedia por socorro e por carinho cada vez que olhava para mim.Vivi dias em que eu não podia passar desapercebida por corredores do hospital,pois logo ouvia seus passos correndo em minha direção e sentia dois bracinhos agarrando-me por trás.
  No dia em que tive que examiná-la na presença de sua mãe além de outras médicas,a sensação foi muito ruim.Olhar para a pequenina e imaginar o que haviam feito com ela correlacionando com as achados de exame físico ,trouxe-me um mal estar horrível e uma imensa vontade de chorar.É difícil ser médico e tentar ser duro numa hora destas.Sempre sou a favor de não levar os problemas do trabalho para casa.Se misturarmos a vida pessoal com a profissional fica muito complicado pois presenciamos um número tão grande de problemas por dia que se levarmos para casa esta gama de problemas,simplesmente enlouquecemos.Mas seria fácil se apenas desligássemos um botão para esquecer tudo o que aconteceu,pelo menos num caso como este.Projetei aquela paciente em minha filha.Aquele corpinho tão frágil...o que sofreu?  Sentiu medo ao sofrer o abuso, então pulou a janela,daí sim a queda da janela,a qual explicou apenas o ferimento que ela apresentava no pezinho e não todo o restante.Fiquei muito apegada a ela e no dia de sua alta,chorei escondidinho.Chorei por pensar que ela viveu duas semanas conosco e fizemos tudo o que pudemos.Foram só duas semanas,mas duas semanas que muito me abalaram.Ela teve alta acompanhada pelo conselho tutelar,encaminhada para acompanhamento,mas o que seria dela???Da porta do hospital para fora,a situação passou a estar fora de nosso controle e isso me fez chorar mesmo.Por pensar até quando aquele lindo sorriso brilharia?Se o agressor poderia  atacá-la novamente? 
  A violência tem aumentado demais.Não só contra crianças,mas com todos os seres.Procuro não assistir jornais policiais pois me deixam triste,mas a realidade está na nossa cara e não dá para 
fingir que não existe.Vê-la tão de perto é muito ruim.E existem vários tipos de violência e maus tratos, desde um abandono de incapaz até extremos bem piores.
  Precisamos orientar nossas crianças em uma linguagem compreensível para cada faixa etária que a maldade existe.Que as pessoas nem sempre são boazinhas como parecem ser e que elas precisam estar atentas.Não dá para esconder a realidade.
  Este caso que contei não foi o primeiro que atendi,nem será o último,infelizmente.Mas aprendi algumas coisas...sempre aprendemos.Mas sinceramente preferia aprender de outra forma.Fiquei muito abalada.Fiquei duas semanas envolvida emocionalmente.O rostinho da paciente não sai do meu pensamento.O que posso fazer agora é pedir para que o Papai do Céu guarde esta pequenina.Guarde também todos os dias a minha criança e todas outras crianças,seres indefesos,de tanta maldade que existe aí fora.
  E assim a vida continua.
  E vem à minha mente uma canção que toquei quando criança em uma audição de piano:
  "Oh meu bom Jesus,que a todos conduz
   olhai as crianças do nosso Brasil!!!" (eu acrescentaria:crianças de todo o mundo,além dos idosos,os animais,os deficientes,os adultos e todos os outros.Capazes ou incapazes...mas que sofrem com a maldade que tem imperado neste mundo!)



créditos da imagem acima:

http://ilustraacao.files.wordpress.com/2011/04/medo1.jpg

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